O livro Sétimas de Mundaréu é uma coletânea de palavras, imagens e versos escritos em sétimas, que é um recurso poético onde cada estrofe tem 7 linhas, de autoria do escritor e poeta gaúcho Gujo Teixeira.

Então, cada objeto campeiro tem um verso que explica o que é ou o seu uso. O livro tem mais de 200 termos, mas eu separei aqui 15 pra compartilhar com a audiência mais campeira do universo. Ah… e vai colocando nos comentários se tu conhecia ou não o objeto que eu falei ou se na tua região se chama por outro nome.

Bendito:
É onde a noite se encobre
com um fogo bueno por perto.
Varas largas de branquilho,
toldo de couro, coberto.
Humilde, nos corredores,
abrigo de alambradores
– Um rancho no campo aberto.

Esse tal de bendito eu juro que não fazia ideia do que era. Temos uma referência em uma música de nome Bendito, do Knelmo Alves e do Marco Aurélio Vasconcellos que está no disco da 7ª California da Canção Nativa, do ano de 1978.

Cambona:
É onde a água pro mate
já pronta pra ser servida
tem remansos de arroio
na lata de alça comprida.
Vai com a tarde em desafogo,
bem aquecida no fogo
e retinta pra toda vida.

Esse já é um objeto mais conhecido, cambona, vó da chaleira, utilizada pra aquecer a água pro mate. Uma das características das cambonas é elas serem pretas, mas não por serem assim pintadas, mas sim devido aos picumãs dos fogões.

Chicolateira:
É a lata com tampa e bico
e o cabo que é uma quentura,
onde um café bem amargo
vai fervendo a sua mistura.
Estremece na ocasião
quando a brasa de um tição
lhe baixa o pó da fervura.

A chicolateira é bem popular e tem até um adágio pra ela, de quando se está muito irritado com algo ou alguém usamos: Mas aquilo me ferveu a chicolateira. E ela é então a chaleira utilizada pra fazer o café.

Ferro de marca:
É o brasão de domínio,
na lei, que a estância governa,
timbre de campo que marca
o couro pampa na perna.
Tem por destino e legado,
durar bem mais que o gado
e depois que queima, é eterna!

Essa são as tal de marcas que os bois e a cavalhada carrega em suas pernas pra identificar o proprietário daquele animal. Uma curiosidade é que o termo marca pra identificação das empresas, veio justamente dessa marcação dos animais.

Gadanha:
É onde o espinho se entrega
atorado num só corte,
pelo fio que lhe sustenta
até que o aço suporte.
No movimento que faz
vai pra frente, vai pra trás
qual foice de cabo forte. 

A tal da gadanha é popularmente conhecida como foice da morte. Mas ela é uma ferramenta muito útil para o corte de pasto e também de limpeza do terreno.

Ilhapa:
É a soberba do laço
de quase uma braça e meia.
Onde a argola recorre
quando uma armada tenteia.
Tem no seu couro mais grosso
algum tirão pro pescoço
se um boi matreiro golpeia.

Essa é uma das palavras que eu acho que tem uma sonoridade muito linda: ilhapa! Ela é uma a parte mais grossa do laço, por onde fica presa a argola.

Joeira:
É onde o grão se aparta
da sujeira entre as frestas,
redonda teia de arame
no embalo que braço empresta.
Vai num aro de taquara
a peneira que separa
e só deixa aquilo que presta.

Provavelmente que já tenha até usado uma joeira em algum momento da vida, ela é uma peneira circular com teia de aço. O nome joeira, vem do joio, de separar o joio do trigo.

Látego:
É a tira larga de um couro
garroteada de sovar,
onde se encontram as argolas
pro arreio não virar.
Pra se compor os arreios
se parte um pingo no meio
puxando sem apertar.

Látego também já ouvi uns vivente chamarem de lático. E nada mais é do que um dos itens essenciais dos aperos que serve pra prender a barrigueira aos arreio. 

Ah… e antes de seguirmos a prosa, um recadito rápido. Se tu quiser ter um livro desses na tua casa, entra em contato direto com o Gujo, pelo whats: (55) 9 9976 5440. Vale muito a pena, tche. Eu sou muito fã do Gujo e tenho todas as obras dele.

Manguá:
É onde o feijão da safra
seca ainda na ramada,
depois do corte da foice
larga o grão na palhada.
Cada golpe que desprende
a vagem abre, e entende
o porquê de cada bordoada.

Tu já ouviu essa palavra muitas vezes em Timbre de Galo, do Pedro Ortaça: feijão preto debulhado a bordoada de manguá. É uma ferramenta que o campeiro utilizada pra debulhar as vagens de feijão para tirar o grão de dentro.

Pelota:
É onde o rio tem cruzada
varando de lado a lado,
um bote feito de couro
flutuando, carregado…
Foi puxada com levez
nas águas da correnteza
com um índio braceando a nado.

Se tu achava que pelota era um termo pra bola de futebol, se enganou. A pelota é um dos objetos mais peculiares dessa lista, é uma embarcação feita de couro, que era puxada por uma pessoa pra travessia dos rios. Inclusive o nome da cidade de Pelotas vem em decorrência dessa atividade.

Dá só uma mirada nesse vídeo onde mostra como era feita a travessia. A pelota era usada principalmente para o transporte do charque de uma margem a outra e às vezes também transportava pessoas.

Piola:
É o resto de uma corda
que sobrou de algum remendo,
mas ganhando feitio de laço
e emendado, foi crescendo.
Pra algum campeiro de apé
derrubar “uns garnizé”
”nuns pealo”, que só vendo!

Piola é um termo muito comum e ainda muito utilizado. Não passa de um simples pedaço de barbante que se enrola pra fazer algum remendo.

Saraquá:
É a intenção da semente
pelo solo em acolhida
abrindo sua cova rasa
semeando a cada investida.
Deixa um rastro no caminho
e pouco a pouco sozinho
vai dando a terra outra vida.

Milho assado era o catete plantado de saraqüá, também aparece na Bailanta do Tiburcio. O saraquá é a antiga plantadeira, de milho, pipoca, girassol… Ele tem um reservatório onde vai as sementes e toda vez que tu fecha os manetes em cima, a semente cai pelo meio das pás embaixo. Che e quando criança eu não sabia o nome e chamava de clec-clec, devido ao som que fazia ao fechar e abrir. Me lembro de brincar muito com essas máquinas.

Serigote:
É onde um pelego grande
vai ganhando o seu feitio,
basteira mansa de junco
de algum remanso de rio.
Pelo lombo se governa
pra dar firmeza na perna
de couro forte e macio.

Serigote é é um tipo de lombilho que já foi muito utilizado, é um arreio de feitio de madeira e revestido de couro só que, diferentemente do basto, é uma peça inteiriça. Mas esse objeto tá aqui porque tem um causo muito bueno sobre a origem no nome serigote: quando os imigrantes alemães se instalaram por essas bandas, trouxeram algumas habilidades com eles, sendo uma delas era o trabalho com madeira e couro.

E alguns artesãos se estabeleceram e passaram a produzir esse tipo de lombilho. E se hoje já é dificil entender alemão, imagina naquela época. O alemão mostrou a peça pra um gaúcho e deve ter dito “SEHR GUT”, que significa “Muito bom, ótimo” e o peão entendeu Sherigote, é assim que chamam esse lombilho. E daí o nome foi se espalhando e pegou.

Sovéu:
É o tento desparelho
com três ramais bem torcidos,
quando levanta no vento
chega fazer um zunido.
Pra se cinchar touro alçado
ou pra fazer um costado
“num bagual”, desprevinido.

Tá aí um termo que é muito mal utilizado. Tem até um ditado que traz a ideia errada: Aqui não se laça com sovéu curto. Bem humildemente podemos dizer que o sovéu é um laço rústico. A principal diferença entre os dois é que o laço é trançado, enquanto o sovéu ele é torcido.

Vincha:
É o couro bem trançado
lonca que um potro lhe empresta,
seguro o sopro do vento
quando o vento lhe contesta.
Prendendo a vasta melena
do “gaucho”, velho, torena
atada firme na testa.

Vincha é uma tira de couro que os índios utilizavam na testa pra prender os cabelos. Com o tempo a vincha foi pra cima dos chapéus. Inclusive um dia a minha filha Anita me pediu o que era aquele negócio que eu tinha no chapéu, aí expliquei que era uma vincha e que era a tiara dos índios.

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