Do fundo da grota foi lançada em 2002, no disco “Meu Rio Grande é Deste Jeito”. è de autoria de Antonio Cesar Pereira Jacques… ou melhor do Baitaca. Pra quem não sabia, esse é o nome deste missioneiro véio dos quatro costado.
Como essa música estourou nos últimos anos e rodou o Brasil inteiro e foi gravada e cantada por diversos artistas. Muita gente de fora do Rio Grande não conhece os termos relacionados a cotidiano campeiro, então bamo ouvir o trecho e dar umas explicação.
Fui criado na campanha,
em rancho de barro e capim,
por isso é que eu canto assim,
pra relembrar meu passado.
Campanha aqui na música é uma referência ao meio rural, o interior.
Rancho de barro e capim, é uma morada antiga da gauchada o interior. Uma casa com as paredes de barro e coberta de capim. Também poderiam ser um rancho de santa fé, ou seja coberto com capim santa fé.
Eu me criei arremendado,
Dormindo pelos galpão,
Perto de um fogo de chão
Com os cabelo enfumaçado.
Nesse verso é pra estabelecer a situação do vivente, criado meio solto, vivendo sem nada de luxo. Dormindo nos galpões das estâncias como a peonada dormia, onde sempre tem um fogo no meio que deixa todo mundo meio defumado.
Quando rompe a estrela d’alva,
Aquento a chaleira já quase no clariá o dia,
Meu pingo de arreio relincha na estrevaria,
Enquanto uma saracura, vai cantando empoleirada.
Estrela D’Alva na verdade é o Planeta Venus, que é o segundo objeto mais brilhante no céu noturno, depois da Lua. Ele é muito visível no início da noite e no início da manhã. Serve como referência também é chamada de estrela boeira.
O pingo de arreio é o melhor cavalo, aquele que o peão usa pras principais atividades. E as saracuras são pássaros que cantam muito de manhã cedo, empoleiradas ou seja em cima dos palanques.
Escuto o grito do sorro,
E lá do piquete relincha o potro tordilho,
Na boca da noite me aparece um zorrilho,
Vem mijar perto de casa,
Pra inticá com a cachorrada
O sorro é também conhecido como graxaim. Potro tordilho é o cavalo em formação de pelagem tordilha, acinzentada. O zorrilho que mija perto de casa é um gambazito que mija e intica, provoca, incomoda, deixa cachorrada bem loca.
Aqui pra esclarecer, mais a frente quando os versos se repetem é trocado o termo cachorrada por guaipecada. Que são a mesma coisa. Guaipeca é como chamamos os cachorros mais miudinhos sem raça definida. Logo, guaipecada é o coletivo de guaipecas.
Numa cama de pelego,
Me acordo de madrugada,
Escuto uma mão pelada,
Acoando no banhadal
A cama de pelego é uma referência a cama que a peonada fazia utilizando os arreios. O pelego por ser macio é como o colchão. É coisa bem antiga e bem tradicional.
O tal do mão pelada é mais um bicho do mato, o guaxinim. Acoando é como a gente chama os barulhos dos bichos, serve pra maioria dos bichos do mato e também pra cuscada.
Eu me criei xucro e bagual,
Honrando o sistema antigo,
Comendo feijão mexido,
Com pouca graxa e sem sal
Esse verso é pra dar intensidade ao personagem da letra. E pra mostrar que é um peão do sistema antigo. Xucro e bagual é uma referencia aos animais que não foram domados, aí é aplicado aqueles vivente que não são muito polido.
Comendo feijão mexido, com pouca graxa e sem sal. Graxa não é essas graxas que mecanicos utilizam. Graxa é gordura animal, geralmente de gado ou de ovelha. Uma vez que a gordura do porco é chamado de banha. A graxa, a gordura, é utilizada pra temperar o feijão, pra deixar ele mais saboroso.
Reformando um alambrado,
Na beira de um corredor,
No cabo de um socador,
Com as mão broteada de calo
Nesse verso mostra que o peão também tem a lida de alambrador ou aramador, que é quem faz e conserta as cercas. Socador é a ferramenta utilizada pra socar a terra depois de firmar o palanque e quem já lidou sabe que deixa as mãos cheias de calo. Enquanto o corredor é o local por onde as tropas eram conduzidas.
No meu mango eu dou estalo,
E sigo a minha campereada,
E uma perdiz ressabiada,
Voa e me espanta o cavalo
O mango é uma das ferramentas do gaúcho, uma tira larga de couro, com cabo de madeira ou retovado que fica pendurado no pulso pelo fiel. A perdiz é um passarinho, que vive nos campos e que fica escondida nas macegas, de vez em quando salta do meio e assusta o cavalo.
Lá no santo do capão,
O subiar de um nambú,
Numa trincheira o jacú,
Grita o sabiá nas pitanga
Lá em cima do capão, assovia o nambú, que é um passarinho. Na baixada tem o outro pássaro jacú e o sabiá cantando nas árvores de pitanga.
E bem na costa da sanga,
Berra a vaca e o bezerro,
No barulho dos cincerro,
Eu encontro os bois de canga
Sanga é um rio de pequeno porte. Cincerro é aquela campainha que fica pendurada nos bois de canga, nas éguas madrinhas ou em algumas ovelhas, serve pra localizar os animais. Bois de canga são os bois que puxam a carreta.
Entendendo o gaúches, então, neste nosso mundo de cultura que é nosso território continental, tu me dás um banho de explicações, necessária e acrescentas muito saber. Gratidão
Bom dia.
Ótimo trabalho.
Sempre nos ajudando a compreender melhor a nossa cultura.
Se me permite, vou acrescentar a minha interpretação com relação ao trecho que diz: “comendo feijão mexido com pouca graxa e sem sal”. De maneira nenhuma quero ser o dono da verdade mas, no meu entendimento, a graxa não deixa o alimento mais gostoso, muito pelo contrário, se o alimento feito com graxa não estiver bem quente, acaba por grudar na boca. Lá pelo idos de 70, antes de produzirem oleos, especialmente o mais popular, o de soja, tinhamos três opções:
Azeite de oliva;
Banha (gordura do porco);
graxa.
O azeite de oliva era utilizado pelos mais abastados. A banha pelos “arremediados”. Para os pobres, o que sobrava era a graxa. Vejo no verso o conto de quem tem muito poucas posses. Feijão mexido (usando a farinha de mandioca para aumentar, para render), a graxa por ser a gordura mais barata, o pouco sal eu vejo não como forma de prevenir estragos à saúde. Vejo como uma forma de economizar para ter para as refeições futuras.
Um abraço. Do tamanho do Rio Grande
Antônio C. C. Fernandes