A música Esquilador é do ano de 1979, concorreu e ganhou a 9ª Califórnia da Canção Gaúcha. É uma mazurca de autoria do Telmo de Lima Freitas, mas no disco dessa Califórnia o intérprete está como Edson Otto e Os Cantores dos 7 Povos. 

E esse grupo era formado por Edson Otto, José Antônio Hahn, José Carlos Dacal e Fernando Dacal e Telmo de Lima Freitas.

A titulo de conhecimento, o Telmo tinha participado com músicas em edições anteriores da  Califórnia não tinha levado nenhuma Calhandra. Sua primeira foi justamente com o Esquilador.

E não foi só a Calhandra que Os Cantores dos 7 Povos ganharam nesta edição. Ganharam também de melhor caracterização, pois estavam todos vestidos com trajes de esquilador.

Dá só uma mirada nos trajes nessa foto que coloquei lá instagram do Linha Campeira. Avental de estopa, faixa na cintura. Também o detalhe do lenço amarrado a cabeça pra segurar o suor, as faixas pra não abrir os pulsos. As botas meio-pé, amarradas. Coisas que só o tio Telmo faria pra ti.

E essa música ela é meio que um marco divisor na história dos festivais, pois deu entrada a essa linha mais campeira de cantar. Falando sobre as coisas da lida, do serviço diário da peonada desses pagos.

Então ela utiliza os termos do serviço da tosquia pra falar também dos problemas sociais. Pois em 1979 o tal o êxodo rural já era uma realidade. Mas então agora bamo pros detalhes da letra.

Quando é tempo de tosquia já clareia o dia com outro sabor.
Aqui a peonada já sabe que nessa época de tosquia, a lida é pegada e o dia todo, de sol a sol.

As tesouras cortam em um só compasso enrijecendo o braço do esquilador
As tesouras são as tesouras de tosquia, que cortam em um só compasso, porque no abrir e fechar da tesoura se faz o barulho. E por ser um trabalho manual, enrijece braço de quem faz. Esquilador é a profissão de quem faz a esquila ou seja, a tosquia dos ovinos.

Um descascarreia, o outro já maneia e vai levantando para o tosador
Aqui mostra que a esquila é uma orquestra e os trabalhos tem que ocorrer de forma organizada. Descascarrear é o ato de remover as sujeiras que estão presas a lã. Manear é amarrar as patas para facilitar o serviço de quem irá fazer a esquila. E aqui ele usa um sinônimo pro esquilador que é tosador.

Avental de estopa, faixa na cintura e um gole de pura pra espantar o calor
Era utilizado um avental de estopa pra não sujar as roupas, a faixa enrolada a cintura, ajudava na sustentação das costas, senão era uma hora de lida e o esquilador já tava com os quarto rendido. 

E o gole de pura, de canha, pra espantar o calor. Porque a tosquia geralmente é feita no verão, entre novembro e janeiro.

Alma branca igual ao velo, tosando a martelo quase envelheceu
Hoje perguntando para a própria vida pr’onde foi a lida que ele conheceu
Alma branca igual ao velo, representa a pureza, a simplicidade do esquilador. Velo é a parte mais limpa e branca da lã. Martelo é um sinônimo pra tesoura de tosquia que também é chamada de tosa a martelo. 

Esses versos representam o peão já velho, vivendo no campo há muito tempo. E que as coisas estão mudando e ele está sentindo na pele essas mudanças.

Quase um pesadelo, arrepia o pelo do couro curtido do esquilador
Ao cambiar de sorte levou cimbronaço ouvindo o compasso tocado a motor
Arrepiar o pelo é assustar, deixar tenso. Couro curtido é pra mostrar que o esquilador já é um peão de idade, experiente. Agora mostra que o esquilador tentou “cambiar a sorte” ou seja trocar de vida, largou as esquilas e quando voltou levou um cimbronaço, que é um tombo, no sentido de um grande susto quando ouvir o compasso, que antes era braçal das tesouras agora ser tocado a motor, com as máquinas elétricas.

A vida disfarça lembrando a comparsa quando alinhavava o seu próprio chão
Comparsa é o serviço num todo, com o grupo dos esquiladores, que ele ficava lembrando daqueles tempos enquanto se ajeitava de novo na vida.

Envidou os pagos numa só parada, 33 de espada, mas perdeu de mão
Mas como que isso acontece? 33 de espada e perdeu, mesmo sendo mão? Pra quem joga truco, sabe que isso é impossível. Não tem como perder o envido ou nesse caso o ‘falta envido’ com 33 pontos sendo mão. Mas segundo o próprio Telmo, isso é uma metáfora de que no jogo da vida, mesmo com tudo a teu favor ainda assim tu pode perder tudo

Nesta vida guapa vivendo de inhapa, vai voltar aos pagos para remoçar
Inhapa é trocado, brinde, gorjetas… pra mostrar que o que ele estava ganhando era muito pouco mesmo. E como a vida estava ruim, volta ao interior para remoçar, lembrar os tempos de jovem.

Quem vendeu tesouras na ilusão povoeira, volte pra fronteira para se encontrar.
Como a vida não deu certo na cidade, ele precisa voltar a fronteira, ao interior para se encontrar. É um retrato das questões referentes ao êxodo rural. Os gauchos de campo viviam com pouco no interior e foram pra cidade na ilusão povoeira, mas não conseguiam se sustentar e se sentiam perdidos. Assim, precisavam voltar pro interior pra remoçar e se encontrar.

Comentários
  1. Acho que houve um equívoco na explicação do verso “Envidou os pagos numa só parada, 33 de espada, mas perdeu de mão”. Perder “de mão” significa que a pessoa tinha a pontuação, mas o mão da rodada tinha a mesma pontuação e, portanto, “ganhou de mão”. Ou seja, o narrador tinha a pontuação máxima para o envido no truco cego (33) e com uma carta boa para o truco (o 7 de espadas, que junto com o 6 forma os 33), mas perdeu “de mão” (porque o mão também tinha 33).

    E um esclarecimento adicional quanto ao verso “Alma branca igual ao velo, tosando a martelo quase envelheceu”: esse tipo de tosa é conhecida como “tosa a martelo” pois as tesouras usadas na tosquia, cujas lâminas são unidas pelo cabo, são chamadas de tesoura-martelo.

  2. Parabéns pelo post, Linha Campeira!
    Na minha interpretação sobre o verso “Avental de estopa, faixa na cintura e um gole de pura pra espantar o calor” há um pouco de sarcasmo no sentido de, justamente por ser calor, a cachaça não “esfriar” nada, e sim, o contrário. Mas acho que ela ajudava mais a “esquecer” o calor e não a “espantar” o calor. 🙂

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