Esse vídeo é atendendo aos pedidos de muita, mas muita gente, que solicitou nos comentários uma explicação da letra de Herdeiro da Pampa Pobre. E também depois que tive a honra de conhecer e entrevistar o Gaúcho da Fronteira na casa dele, ver ele tocar umas milongas, uns gaitaços e falar com tanta emoção sobre a nossa cultura.

Não tinha como não falar da obra desse baita artista e, por que não, a maior referência viva da nossa música. Que gaúcho!

O próprio Gaúcho da Fronteira me contou que quando ele recebeu essa letra ele musicou ela chorando. E não é de varde, né tche. Afinal ela é uma música que tocou todos os gaúchos, em qualquer canto do universo. Tanto na versão original, nativista, como na versão rock dos Engenheiros do Hawaii.

Herdeiro da Pampa Pobre é uma música de letra do Vaine Darde e musicada pelo Gaúcho da Fronteira. Apareceu pela primeira vez no disco, no LP Gaitaço, gravado em 1990. Era a faixa de número 4, do lado A.

Antes de irmos pra explicação, vale contextualizar que em 1990, não só o Rio Grande do Sul mas como todo o Brasil passava por uma transformação política, econômica e social muito forte.

Eu vou declamar os versos e explicar a cada estrofe. Vou lembrar que os versos são a transcrição do áudio da música original, gravada no disco antes citado.

Mas que pampa é este que recebo agora
Com a missão de cultivar raízes
Se desta pampa que me fala a história
Não me deixaram nem sequer matizes?

Aqui o jovem percebe que a atual situação atual da pampa não é nada buena. Ele precisa cultivar as raízes, que ele sabe que são ricas, que tem muita história, só que as matizes, as referências, as ideologias, os alicerces deste pampa praticamente não existem mais.

È uma relação dicotômica, onde ele tem a missão, só que ele não tem mais os sinuelos que precisa pra concluir essa missão.

Aqui eu faço um parenteses, pois tanta o Vaine Darde quanto o Gaúcho são nativos da pampa. O Vaine é de Uruguaiana e o Gaúcho é de Rivera. Só que a gente pode ajustar o termo ‘pampa’ para o estado ou para a nossa cultura como um todo. Uma vez que mais de 60% do território do Rio Grande do Sul é pampa.

Passam as mãos na minha geração
Heranças feitas de fortunas rotas
Campos desertos que não geram pão
Onde a ganância anda de rédeas soltas

Nesta estrofe, segue o tema mostrado que a missão recebida será muito difícil porque a geração foi assaltada, as heranças estão rotas, mostrando assim o processo de decadência das estâncias como principal fator econômico do pampa. Os campos já não produzem o quanto produzia antigamente e a ganância está descontrolada.

O termo “rédeas soltas” é uma referência pra quando se perde o controle sobre o cavalo. Deixando apenas o animal te levar pra onde quiser.

Se for preciso, volto a ser caudilho
Por esta pampa que ficou pra trás
Porque não quero deixar pro meu filho
A pampa pobre que herdei de meu pai

Vou contar que eu demorei pra entender essa parte do porquê voltar a ser caudilho. Aqui o termo caudilho é utilizado no sentido de ser um novo líder pra defender essa pampa que estava abandonada. 

Dá a entender que a pampa gloriosa do passado teve suas coisas buenas perdidas e ele não quer ser o responsável por levar isso adiante. Ele quer fazer algo pra deixar um legado melhor para o seu filho.

Pra saber mais sobre os caudilhos, clica aqui no vídeo acima. Que tem um Linha Campeira especial sobre o caudilhismo.

Herdei um campo onde o patrão é rei
Tendo poderes sobre o pão e as águas
Donde esquecido vive o peão sem leis
De pés descalço cabresteando mágoas

Aqui temos uma clara referência ao êxodo rural e a transformação do campo de pequenas propriedades pra grandes latifúndios. O patrão é tal como rei e tem poderes ilimitados.

Enquanto o peão, que é o cerne, o principal personagem da pampa, está esquecido, de pés descalços e cabresteando mágoas. Cabresto é o apero que é colocado na cabeça do cavalo para que o animal possa ser conduzido de um lado pra outro.  E nesse verso o peão cabresteia ou carrega apenas mágoas.

O que hoje herdo da minha grei chirua
É um desafio que a minha idade afronta
Pois me deixaram a guaiaca nua
Pra pagar uma porção de contas

Talvez a grei chirua seja o termo mais peculiar desta letra. Primeiramente grei siginifica um grupo de pessoas, uma família, um povo ou até uma nação. Chirua é a denominação para as mulheres nativas da nossa terra. Logo, dentro do contexto da música, a grei chirua, pode ser a origem nativa dele. Tal como se a pampa fosse a sua mãe.

E estava com a guaiaca nua, ou seja, estava sem dinheiro algum e tinha que pagar uma eito de contas. Como vimos no vídeo sobre as guaiacas, elas surgiram justamente pela necessidade do gaúcho pode carregar dinheiro nas viagens de maneira que pudesse sempre estar por perto.

Se for preciso, volto a ser caudilho
Por esta pampa que ficou pra trás
Porque não quero deixar pro meu filho
A pampa pobre que herdei de meu pai

Comentários
  1. Não mudou nada até hoje.. Grandes latifúndios, muitos improdutivos. Cultivos de economia familiar com poucas terras.
    A aristocracia suja do Rio Grande ainda vive, concentra, e defende boçais tal qual o Presidente da República.
    A reforma agrária há de vir, e os senhores fazendeiros irão de sucumbir.
    Saúdem os irmãos peões, a grei chirua ainda vai retomar essa terra.

    • Cara, eu não sou gaúcho, mas acho que vc deu uma significação tão limitada pra essa música, que parece ser tão maior. Pra mim, ele é um cara jovem, com uma outra consciência, com empatia com as pessoas mais desfavorecidas que vivem desde sempre nesse lugar. E ele consegue ver todas as injustiças e perpetuação da miséria pela ganância com que seus antepassados viveram e submeteram os “peões”. E são tantas injustiças aserem compensadas que ele se sente com a ” guaica nua” ou seja sem ter como pagar.

      • Concordo contigo, Luis. Há muito a ser explorado nessa canção… há um nível de consciência sobre a exploração em todos os sentidos, uma indignação pela covardia dos que usam e abusam da Terra para simplesmente abandoná-la quando está gasta, rota.

    • Eu já estava emocionada lendo sobre a canção, que marcou o início da minha vida adulta, mas quando li o teu comentário, fiquei muito tocada, pela tua clareza de ideias e pela esperança presente nas tuas palavras.

    • Eu já estava emocionada lendo sobre a canção, que aliás marcou o início da minha vida adulta, mas quando li o teu comentário, fiquei muito tocada, pela tua clareza de ideias e pela esperança presente nas tuas palavras.

  2. Concordo contigo, Luis. Há muito a ser explorado nessa canção… há um nível de consciência sobre a exploração em todos os sentidos, uma indignação pela covardia dos que usam e abusam da Terra para simplesmente abandoná-la quando está gasta, rota.

  3. Amei a explicação. Mas olha, Vou compartilhar uma experiência. Eu tinha uma curiosidade muito grande sobre o chimarrão de vocês, até que mudou um gaúcho pra próximo da minha casa, Pedi um pouco para experimentar, ele estava acabando de fazer., com muita má vontade, mas deixou…. Achei horrível! Fiquei rindo as pampas! Vocês não colocam açúcar no trem não!! Cruz credo!! Fiquei bem murchinha e fui embora pra casa muito decepcionada!

  4. Amei a explicação. Mas olha, Vou compartilhar uma experiência. Eu tinha uma curiosidade muito grande sobre o chimarrão de vocês, até que mudou um gaúcho pra próximo da minha casa, Pedi um pouco para experimentar, ele estava acabando de fazer., com muita má vontade, mas deixou…. Achei horrível! Fiquei rindo as pampas! Vocês não colocam açúcar no trem não!! Cruz credo!! Fiquei bem murchinha e fui embora pra casa muito decepcionada!

  5. Querida, chimarrão é amargo! Se tu querias algo doce, melhor seria tomar chá com um inglês! E, dizer pra nós gaúchos colocar açúcar no mate, é o equivalente a pedir ao italiano pra cortar o macarrão: uma tremenda ofensa!

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