Tu já deve ter cantado Do Fundo da Grota, né? Claro que sim. Aí tem aquele verso que diz o seguinte: “Eu me criei xucro e bagual | Honrando o sistema antigo | Comendo feijão mexido | Com pouca graxa e sem sal”.
Quando eu fiz o primeiro vídeo de Explicando a letra de Do Fundo da Grota, achei que nem precisava explicar isso porque todo mundo já sabia o que era graxa, mas teve muita gente nos comentários que pedia a respeito. Aí fiz um segundo vídeo explicando isso e mais algumas coisas.
Como está referido na música graxa é uma referência a gordura animal utilizada na culinária. Mas eu queria chamar a atenção pros tipos de gordura animal que eram muito utilizados no dia-a-dia da campanha gaúcha: graxa, banha e sebo.
Hoje temos acesso a gorduras e azeites de forma barata e fácil. Basta ir a algum supermercado e pegar na prateleira. Mas antigamente, até antes da popularização e do fácil acesso à geladeira e a produtos industrializados praticamente todas essas gorduras necessárias para a alimentação e cotidiano era necessário ser preparada de forma artesanal.
Azeite e manteiga eram caros e somente os mais ricos tinham acesso. Pra se ter noção, o óleo de soja só se popularizou no Brasil no início dos anos 80, pois precisava de um processo de industrialização. As cozinhas das casas de campanha usavam gordura animal no dia-a-dia.
É importante diferenciar o sebo da graxa. Por mais que ambos sejam tecidos gordos da carne, tem características bem diferentes.
Sebo não vai pra panela, o sebo serve pra engraxar, lubrificar as cordas, como laços, sovéus, rédea e os outros aperos de serviço. E as vezes até os eixos das carretas e carroças. O sebo ele é tirado e mantido ao natural, sem precisar aquecer ele. Geralmente é tirado do rim e do coração, tanto dos bovinos quanto ovinos.
Se tu pegar um pedaço de sebo na mão, tu vai perceber que ele é mais espesso e pesado. Se tu apertar, ele vai meio que se esfarelar, desintegrar na mão. Eu nunca comi, mas dizem que ele tem um gosto bem amargo.
Já a graxa tem mais aplicações pra cozinha. Geralmente as reses carneadas eram mais gordas justamente pra se aproveitar mais graxa. Após a limpeza e desmanche da carcaça, se tirava a gordura excedente das peças que iam pro churrasco ou pro charque e se colocava tudo numa gamela pra fazer o preparo.
Se ia tudo pra um tacho que ficava no fogo e ia lentamente derretendo essa graxa. Assim que tudo estava bem derretido e antes de começar a ferver ou queimar, essa gordura fundida ainda quente era passada da panela pras latas,filtrando (coando) os resíduos em um pano.
O que sobrava nos panos alguns chamavam de torresmo e geralmente era utilizado pra fazer sabão.
Bom lembrar que o tutano dos ossos também era utilizado e muito apreciado. Era a graxa mais nobre. Se fervia a ossamenta e depois de tirada de dentro se filtrava e se guardava pra fazer principalmente pães e massas.
Já a banha era a mais rara e escassa, pois se tinha menos porcos e eram carneados só no início do inverno, pois eram confinados e ‘limpos’ com milho que geralmente é colhido em março – abril.
Então a banha tinha um processo similar ao da graxa, sendo também armazenada em latas. Só que tinha que cuidar com os calores do verão que podiam deixar a banha com gosto meio rançoso.
Então nas cozinhas de campanha, quando se tinha banha, se dava preferência, mas na maioria só se tinha graxa mesmo e aí a bóia era feita com a graxa, que tem um sério problema quando o prato esfria, pois a graxa fica coalhada e endurece e deixa um gosto ruim na boca.
Mas a fome é sempre o melhor tempero se limpava o prato, pois a tarde não tinha alce e precisava voltar pra lida. Bem como se retrata em Do Fundo da Grota, sistema antigo, comendo feijão mexido, com pouca graxa e sem sal. Faz lembrança desse tempo mais antigo, sofrido, com pouco acesso aos produtos e que o povo se virava do jeito que dava.
Achei interessante os assuntos, muitos eu já conhecia a história, porém outros eu não conhecia.
Gostaria de acompanhar essas histórias interessantes.