Cambichos é uma vaneira que tem os versos de Jorge Rodrigues e música de Luiz Bastos. Foi gravada pela primeira vez pelo Cesar Passarinho no seu disco Negro de 35, de 1988 pela gravadora ACIT, era a 1ª faixa do lado B daquele disco. Esta música também fez muito sucesso na voz d’Os Serranos, que gravaram no excelente disco Estampa, lançado em 1990 pela RBS Discos e também era a 1ª faixa do lado B.

Quando a gaita abre e dá as primeiras notas da música, a gente chega até mudar o semblante da cara por que ela já transmite uma energia boa. Quem nunca dançou com a prenda essa marca imaginando o cambicho?

Cambicho significa namoro, paixão, romance… Aquele sentimento, aquela queda que um peão tem por uma prenda. E no poema da música, fala sobre a busca de um peão de campo por uns cambichos. E a música tá cheia de termos e detalhes bem regionais, da lida de campo.

Então bamo dar aquela lida na letra e explicar os detalhes dela.

Quando escaramuça no meu peito uma saudade,
Agarro as garras pra encilhar meu estradeiro.
E quando a tarde já se apaga pelos cerros,
Minh’alma acende suas paixões e seus segredos.

Escaramuçar é o ato de fazer uma mudança repentina na direção do cavalo provocado por um movimento rápido das rédeas. Como se desse um tranco pra virar.

A titulo de curiosidade, pode ser dito que o um casal está em “escaramuças de amor” é quando as demonstrações afetivas estão muito afloradas.

Então quando a saudade aperta, ele joga as garras que são os arreios de serviço no seu cavalo estradeiro, que é o cavalo que ele usa pras viagens. Aquele cavalo que fica pouco pelas casas. 

E repare como ele descreve que está anoitecendo. A tarde se apagando pelos cerros. Ao mesmo momento em que alma acende as paixões e segredos do peão. Poesia pura!

Depois, a noite traz a lua leve e calma.
Estes banhados erguem vozes e cochichos.
Eu abro as asas onduladas do meu pala
Porque me bate a sede louca dos cambichos.

O peão tá cruzando as estradas, o campo com a lua grande e calma mostrando o direção e dando a claridade. Passando o banhado, vozes e cochichos… aí pode ser dos sapos, grilos e dos outros animais noturnos. 

Então devido a noite, o frio batendo, ele abre as asas do pala. Veste o seu pala, por que tem que apertar o trote pra chegar no bolicho pra campear uns cambichos.

Tiranas lindas que me arrastam pra um surungo
Num fim de mundo onde geme uma cordeona
Onde se embala minha alma de campeiro
Pelos luzeiros das miradas querendonas.

O peão da poesia chega no bolicho onde tá acontecendo o fandango e lá tem tiranas lindas, tirana é uma referência à aquelas mulheres que não se deixam dominar facilmente. Arrastam o peão pro surungo e ele deixa a alma se levar adiante. Esquece um pouco das coisas da lida e pensa só no surungo e nas mulheres, que encantam ele pelos luzeiros das miradas querendonas… ou seja pelo brilho do olhar das mulheres.

 Gringas, mestiças e morenas cor de aurora,
Negras e claras se confundem na fumaça.
Meu coração é um barco errante nessas horas
Passando a noite sem saber que a noite passa.

Nesse surungo tem mulheres de todas as matizes, gringas, mestiças, morenas, negras e claras… que se confundem na fumaça e no lusco-fusco daquele entrevero. Aí o coração é um barco errante, que se deixa levar pelas águas e pelo vento, sem controle. Enquanto isso a noite passa e ele nem percebe.

Mas, quando o sol braseia as barras do horizonte,
Só restam rumos e recuerdos pra seguir.
Porém mais vale pra um gaudério esta saudade
Do que não ter saudade alguma pra sentir.

Se pra dizer que tava anoitecendo o poeta usou “quando a tarde se apaga pelos cerros”, pra dizer que estava amanhecendo é “o sol braseia as barras do horizonte”. Não tem o que falar.

Então quando se está amanhecendo, só resta o rumo, a estrada pra seguir e voltar ao serviço. Da noite anterior, ele não leva nada, a não ser os recuerdos, as saudades. E é melhor ter essas saudades do que não ter nada. Ele segue sozinho, mas não se arrepende de nada do que fez.

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