A foto em questão é essa, onde vemos o Mano Lima, ainda jovem ao lado de uma senhora. Só que essa foto ela chama a atenção porque ela tem muitos detalhes genuínos da gente da nossa terra.
Então essa foto ela foi tirada lá pelos idos de 1980, no Piquete Guapoy, em São Borja, de propriedade de Luis Carlos Miranda Baptista, onde o Mano Lima trabalhava como peão e domador.
A foto apresenta um cenário típico das estâncias gaúchas, com aramados, arvores, gramado bem verdito e até dois pingo ao fundo.
Temos também uma típica carreta da região da fronteira. Forrada de capim santa-fé, com umas taqara pra firmar as laterais. Rodas e eixos de madeira e pra dar o aperto do eixo, uma cravelha. Que também chamavam de buzina da carreta, porque ao andar ela ia rangendo.
Pelo tamanho das rodas, talvez fosse uma carreta pra pelos menos duas juntas de boi puxar.
A senhora que está ao lado do Mano Lima, atento aos detalhes do trajar tradicional das mulheres da época, com vestido elegante e simples. E é claro, da gaita de boca em suas mãos.
E pra minha grata surpresa, por meio do Facebook do Linha Campeira consegui descobrir algumas coisas da vida dela. A Roselaine da Silva, que é de São Borja, disse que ela é sua tia, irmã de seu pai. O nome da senhora era Natividade da Silva e já é falecida. Contou que tocava gaita de boca muito bem, além de ser benzedeira mui respeitada na região. E segundo a Roselaine a dona Nati (como era chamada) faleceu dançando um vanerão em um baile numa semana farroupilha. Ela era muito amiga do Mano Lima.
E a estampa do Mano Lima nesse retrato tá demais: Chapéu tapeado, camisa aberta, lenço maragato a meia espalda. Bombachas, tirador, botas meio-pé ou garroneiras com as esporas firmadas. Ao lado do Mano tem uma cambona e um mate escorado.
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Comentário de Jose Altair Rodrigues:
Mas que tal?! Vou contar o que sei dessa foto, com a licença do Lucas e leitores. O lugar: o Piquete Guapoy era uma entidade cultural que teve sua sede num canto da propriedade do Caeco Baptista, na parte dos fundos de onde tem um posto da Polícia Rodoviária Federal, no trevo de acesso a São Borja, a quem chega de São Luiz Gonzaga e Santo Antônio das Missões. A entidade foi idealizada por, além do proprietário da área, Caeco, pelos membros do grupo “Os Angueras”, com efetiva participação do poeta/escritor/historiador Apparício Silva Rillo, que foi o autor da letra do hino do piquete, que começava com os dizeres de que “são guapos, são guapos, do Guapoy”, musicada pelo José Bicca, certamente, que era o companheiro mais atuante na composição das músicas d”Os Angueras”.
A foto: eu não duvidaria que esta foto tenha sido feita pelo consagrado Telmo de Lima Freitas, que dispensa apresentação. Sim, porque, neste dia, presenciei a Tia Nati (nome oxítono) tocando gaita de boca pra ele, que, ao ouvir a interpretação dum bugio, perguntou onde ela aprendera a marca, ao que ela respondeu que o pai dela “tocava na gaita de mão”. Então, o Telmo quis confirmar com a Tia Nati, o nome do pai dela, com a pergunta: “O teu pai era o “nego véio” Congo, né, Nati?”; e ela, prontamente, confirmou. Foi aí que o Telmo quis registrar uma entrevista com a Tia Nati, ligando um grande gravador portátil e refazendo as perguntas, terminando por afirmar que ele estava desenvolvendo uma pesquisa sobre a origem do ritmo bugio, e que se ela tocava uma marca com quase 100 anos de registro na mente, a teoria dele de que o bugio tinha origens na região era concreta – ele, que, assim como eu e a Tia Nati, também é são-borjense.
Ato final, pegou uma câmera fotográfica profissional e fez uma foto da gaiteira velha de raiz missioneira. Por isso, a minha desconfiança de que ele também tenha feito a foto em questão, aqui. O motivo do encontro do Mano Lima e da Tia Nati: o Piquete Guapoy realizava, anualmente, um evento denominado “Combate de Marcas”, que era, na prática, um rodeio campeiro, mas quero crer que o Apparício não tivesse simpatia pelo termo, que deriva do inglês “rodeo”, e batizado como sendo um combate de marcas, já que cada fazenda trazia seus peões pra participarem da competição, onde tinha todas as modalidades de afazeres das lides campeiras, culminando, claro, com a gineteada, onde o Mano Lima era conhecido mais como Mário Rubens Lima e, como domador, fazia parte do quadro da Fazenda Cambuxim, de propriedade do seu irmão Marcelo Lima. Fato curioso é que o Mano ficava sozinho no rancho do acampamento da fazenda, tocando gaita, e poucas pessoas se atinham ao fato de que ali estava alguém que levaria a pura arte campeira aos palcos do Brasil. Eu mesmo, muitas vezes, passei na frente do galpão e vi ele tocando a oito baixos, nem imaginando que seríamos vizinhos, pouco tempo depois, quando ele arrendou uma granjinha, a 300m da minha casa e montou uma leiteria. E, por fim, procede a afirmação de que a Tia Nati era benzedeira (eu mesmo, fui benzido por ela, quando criança), além de ser uma pessoa muito querida por toda a vizinhança, assim como o seu marido, Seu Nenê, falecido há poucos anos. Tinham duas mulas com as quais o Seu Nenê carroceava, que batizaram Mulata e Mulita – que, orneando, nos davam a hora de levantar pra ir ao colégio, quando crianças. Volta e meia, a Tia Nati e o Seu Nenê davam um baile de rancho, na casa deles, e eu dormi horas da minha infância debaixo duma mesa, em cima dum pelego, ao som da cordeona do Zezinho e do pandeiro do Goda, sobrinho da Tia Nati. Vez por outra, um matinezito de domingo de tarde, inclusive.
30Registro, aqui, o meu carinho e a saudade da querida personagem da foto! Abraços e desculpe pela extensão do depoimento.