“Chasque pra Dom Munhoz” é uma chamarra que tem os versos de Airton Pimentel e Gaspar Machado. Foi gravada pela primeira vez no disco Cantar Galponeiro do José Cláudio Machado no ano de 1990 e era a terceira música do Lado A do disco.

O Zé Cláudio regravou em outras oportunidades, inclusive ao vivo. E de lá pra cá uma infinidade de artistas gravou, até acho que é uma das músicas com mais versões que encontrei, dá só uma olhada na lista aqui que peguei do Spotify: César Oliveira e Rogério Melo, Joca Martins, João Luiz Corrêa, Os Lendários, Os Nativos, Paulo Fogaça, Walther Morais, Tche Barbaridade, Grupo Batepé, Os Tiranos, Hermes Duran.

Essa música ela conta a história de um peão que tá mandando um chasque pra um amigo seu pedindo um cavalo em troca de uma música, pois ele não tá muito bem dos pila.

Essa é uma daquelas músicas que todo mundo canta junto e em voz alta. E é interessante que ela cita várias pessoas, inclusive com nome e sobrenome e também cita a cidade de São Gabriel e a localidade de Caiboaté.

Muita gente me perguntou quem eram essas pessoas, se essa história era verdadeira e tudo mais. Então pra isso, eu resolvi perguntar pra um gabrielense de luxo, Alex Silveira “bem campeiro”, corretor de gado e renomado compositor do nosso pago que era amigo pessoal do Gaspar Machado.

E o Alex Silveira me atendeu de prontidão e me respondeu quem eram essas pessoas e o contexto da música. Então eu publiquei um vídeo com as informações que eu tinha e logo que o vídeo estava no ar tive uma grata surpresa. Recebi algumas mensagens de familiares do Gaspar Machado, inclusive que estão envolvidos na história da música. Agradeço e muito ao pessoal da família Ramos, a Jucemara, a Elisandra e Sergio, lá na Suffolk São Jose.

Então agora bamo ler os versos aí eu vou comentando cada detalhe.

Amigo Élbio Munhoz meu chasque não tem floreio
Eu uso bombacha larga e um chapéu de um metro e meio
Botas de garrão de potro laço, pealo e gineteio
E me sustento pachola da serventia do arreio

Essa música é o Gaspar Machado, que na época estudava direito em Porto Alegre, escrevendo um verso para o seu amigo Élbio Munhoz, que era domador de mão cheia, tinha uma tropilha de fundamento e vivia fazendo bons cavalos ali pelos arredores de São Gabriel. Diz que numa feita o Elbio Munhoz disse que daria um potro, de presente pro Gaspar Machado se fizesse uma música bem no capricho falando dele.

Segundo os relatos que recebi de familiares do Gaspar Machado, o Elbio Munhoz era um gaúcho de fundamento e fazia tudo muito direito. Além de domar, também era bom no serviço de alambrado e plantação.

Por isso que a música é escrita em primeira pessoa, como se fosse uma carta de um amigo ao outro (que de fato é).

E se tu quiser saber porque os gaúchos falam Chasque, é só clicar aqui.

Chasque sem floreio significa uma prosa reta, sem enrolação, de já chegar dizendo aquilo que quer.  Depois descreve a sua estampa de gaúcho, falando das suas pilchas, dotes e postura. Pachola é aquele peão confiante, mas um pouco meio gavola, presunçoso.

Por voltas que a vida faz para açoitar um cristão
Ando cortado dos trocos, freio e pelego na mão
Sem um cavalo de lei pra visitar meu rincão
O nosso Caiboaté Grande, que guardo no coração

Aqui o autor do verso, o Gaspar Machado, conta a sua situação que não tá muito boa. Cortado dos troco, pelado, sem nada, de freio e pelego na mão. E que não tem nem um cavalo pra visitar os amigos no seu rincão querido, Caiboaté.

A tia Maria me disse que tua tropilha é de lei
E o José Rodrigues Ramos confirmou, quando eu pensei
Em te pedir um cavalo nesses versos que criei
Pra cantar em São Gabriel querência que sempre amei

A tia Maria é esposa do José Rodrigues Ramos, que são vizinhos da família do Gaspar Machado. E ambos tinham visto e sabiam que a tropilha do Elbio Munoz era de lei, de fundamento.

E como a tropilha era de lei, de bons cavalos, o Gaspar Machado pensou logo em pedir um cavalo por meio desses versos que ele criou pra poder cantar em algum encontro deles em São Gabriel, sua querência tão amada.

Tropilha é um coletivo pra cavalos do mesmo pelo e tanto faz o pelo baio, ruano, gateado, zaino e assim por diante. A titulo de curiosidade para se referir a vários cavalos de pelagens diferentes o termo é quadrilha.

Entrega pro tio Adil lá na costa do Lajeado
E diz pra Enilda e a Silvinha que eu chegarei afogado
Num borrachão de saudade do tamanho do meu pago
E a negra Juce que espere com chimarrão bem cevado

Então é pra entregar o chasque (ou cavalo?) pro seu tio Adil Ramos, na costa do Lajeado, que é um outro distrito de São Gabriel. A Enilda é irmã do Gaspar Machado e a Silvinha é filha da Enilda, por isso ele está com saudades. E a negra Juce é Jucemara Ramos, que é filha do seu Adil Ramos.

Interessante que ele usa a expressão afogado num borrachão de saudades e do tamanho do pago ainda, pra dizer que faz tempo que não vê sua família.

Borrachão é como é chamada a guampa de canha e também em alguns lugares se refere aos garrafões de guardar vinho e canha.

Dom Élbio guarde consigo que um dia arranco do peito
E pago esta obrigação que me deixa satisfeito
E o pelo é da tua conta baio ou rosilho eu aceito
Que o velho Moacir Cabral me fez assim por direito

Então o Gaspar Machado pede pro Elbio Munhoz guardar bem essa letra com ele. Que algum dia ele arranca do peito, ou seja, ele canta, apresenta essa marca pra ele e paga essa promessa.

E ainda nem escolhe o pelo do cavalo, pode ser um baio ou um rosilho que ele aceita igual. Afinal o importante é cavalo bom e não o pelo. E por fim ele cita Moacir Cabral, pai do Gaspar, por isso que diz: me fez assim por direito.

Mas que baita marca é essa Chasque pra Dom Munhoz! Narra uma historia, uma provocação entre dois amigos que acabou eternizada na memória e na música gaúcha! Um classico do nosso cancioneiro.

Comentários
  1. A letra diz muito, ouço seguidamente, sou filho de Guilherme Nunes Cabral irmão de Moacir , pai do Gaspar.
    Durante sua existência vi e falei poucas vezes com ele, mas acredito que ele tenha feito outras letras , pois era uma pessoa com bastante visão e conhecimento da tradição gaúcha.
    Parabéns para quem interpreta essa linda música.

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