Veterano é um chamamé que tem os versos de Antonio Augusto, o Tocaio Ferreira e melodia de Ewerton Ferreira. Que são parentes, o Antonio Augusto é tio do Ewerton.
Ela foi escrita no ano de 1980 e inscrita na 10ª California da Canção Nativa de Uruguaiana. É a 1ª música do lado A daquele disco e a grande vencedora daquela California. Ganhou a Calhandra de Ouro e também o titulo de música mais popular do festival.
Veterano subiu o palco da Califórnia na voz de Leopoldo Rassier e o conjunto que acompanhou o Rassier era apenas Os Serranos! Pra época foi bem diferente, pois não era comum músicos de baile participarem nos festivais.
O Ewerton Ferreira tinha participado da 9ª California como músico e aquilo tinha impressionado ele. Em março de 1980, ele sofreu um acidente de trânsito e teve que ficar um bom tempo internado e fazer várias cirurgias. Nesta feita o seu tio Antonio Augusto foi o visitar e prometeu escrever uns versos pra ele musicar, pra inscreverem na California.
Algum tempo depois, ele apresenta a letra de Veterano e sugere que ele faça uma milonga. Mas o Ewerton achou melhor um chamamé. Concluiu a música e apresentou ao seu tio que aprovou e inspirado, mandou outras duas letras pra ele fazer a música.
Essas músicas eram Pago Perdido, que é a 4ª música do Lado A e Entardecer que é a 5ª música do Lado B do disco. Ou seja, além de ganhar a Calhandra com Veterano, meteram as outras 2 marcas deles na final e no disco da 10ª Califórnia.
Veterano poderia contar a história de tantos e tantos gaúchos que não se entregam por nada, mas é uma homenagem a Jonatas Magalhães Ferreira, pai de Antonio Augusto e avô de Ewerton.
Em entrevista o Ewerton conta que seu avô teve uma vida bastante dura, criou os filhos praticamente sozinho e no final da vida não queria se entregar, achava que ainda tinha vigor pra realizar as próprias vontades. Se imaginava um jovem, mas o corpo era de um idoso. E essa realidade da família a gente consegue perceber bem na letra.
Então agora bamo dar uma lida na letra pra analisar bem esses pontos.
Está findando meu tempo,
A tarde encerra mais cedo,
Meu mundo ficou pequeno
E eu sou menor do que penso.
O bagual tá mais ligeiro,
O braço fraqueja as vezes
Demoro mais do que quero
Mas alço a perna sem medo.
Encilho o cavalo manso,
mas boto o laço nos tentos,
Se força falta no braço,
Na coragem me sustento.
Como a gente pode perceber, esse gaúcho já não tem mais aquela vitalidade. Ele ainda faz as coisas da lida, mas com certa dificuldade. O cavalo parece mais ligeiro, o braço fraqueja na hora da armada, demora pra tomar a decisão, mas mesmo assim alça a perna, ou seja monta o cavalo sem medo. Por que se faltar força e precisão pra algum movimento ou atividade, é na coragem que ele sustenta. Que coisa mais gaúcha!
Se lembra o tempo de quebra
A vida volta prá trás
Sou bagual que não se entrega,
Assim no mais.
Esse é o refrão da música e todo mundo sabe cantar! O gaúcho lembra os tempos de quebra, aqueles tempos em que ele era jovem, atrevido, meio xucro, bravio, valente. E se sente mais vivo, como se a vida voltasse àquela época. Por que ele é alguém que não se entrega de jeito nenhum.
Nas manhãs de primavera
Quando vou parar rodeio,
Sou menino de alma leve
Voando sobre o pelego.
Cavalo do meu potreiro
Mete a cabeça no freio.
Encilho no parapeito,
Mas não ato nem maneio.
Se desencilha o pelego
Cai o banco onde me sento,
Água quente e erva buena,
para matear em silêncio.
Quando ele sai pra lida de campo, pra parar rodeio, que é o ato de reunir o gado em algum lugar da invernada, ele se sente leve e novo, como um guri voando sobre o pelego.
Neste segundo e terceiro versos ele conta que já não sai mais pro campo, encilha no parapeito, não ata e nem maneia. Se desencilha o pelego, cai direto no banco.
Fica só pela volta do rancho tomando mate e observando as coisas.
Neste fogo onde me aquento,
Remôo as coisas que penso,
Repasso o que tenho feito,
Para ver o que mereço.
Quando chegar meu inverno,
Que me vem branqueando o cerro,
Vai me encontrar venta-aberto
De coração estreleiro.
Mui carregado dos sonhos,
Que habitam o meu peito
E que irão morar comigo
No meu novo paradeiro.
Na frente do fogo, o gaúcho reflete sobre a vida dele. Depois vem uma baita metáfora sobre o tempo.
Quando chegar meu inverno e me vem branqueando o cerro. O inverno é a velhice o cerro que branqueia é a cabeça. Vai branqueando os cabelos.
Então quando a velhice chegar ele vai estar de venta aberta e coração estreleiro. Venta aberta se diz do cavalo que está farejando o caminho, procurando algo, atento. Estreleiro são os cavalos que adam com a cabeça erguida, olhando pra cima, pras estrelas.
Então o coração estreleiro desse gaúcho está carregado de sonhos que irão com ele pro novo paradeiro, pro seu novo e eterno local, no dia que ele partir.
Isso é poesia pura, cheia de bonitas metáforas que fazem a gente pensar na vida. Também a melodia ela pulsa na gente e completa os sentidos do verso.
O Ewerton diz que tem muito orgulho de ter feito ela e que sempre se emociona quando vê alguém tocando e cantando essa obra da família dele. O seu tio Antonio Augusto, Tocaio Ferreira, faleceu em 2008.
Veterano foi gravada por muitos artistas como Os Serranos, Joca Martins, João Luiz Correia, Neto Fagundes, Marcello Caminha e é um dos grandes clássicos do nosso nativismo!
Acredito que sempre que a gente escuta essa música, acabamos lembrando de um ente querido que se sustentava na coragem e era bagual que não se entregava, assim no más!
Aos oitenta anos, está música/poesia é nada mais que a história da vida.
E o refrão é de “matar o velho” (idoso).
Não sou gaúcho, cresci próximo a essa cultura, pois sou de SC, da Serra Catarinense. Onde é muito presente.
Não sou entendedor da cultura gaúcha, apenas conheço um pouco. Não sou entendedor de música e nem de nada.
Contudo, essa linda música toca profundamente o meu coração e sempre me arrepio quando escuto. Pois me chama a ser como esse gaúcho, corajoso, valente.
Muito obrigado a todos os envolvidos por esse grande presente, que é poder ouvir essa música.