Lá na Fronteira é uma chimarrita que tem os versos de Anomar Danúbio Vieira e melodia de Marcello Caminha. Concorreu na 31ª Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana no ano de 2002, interpretada pelo Cesar Oliveira e Rogério Melo.

Além da versão que está no álbum da Califórnia, a dupla César Oliveira e Rogério gravou em dois trabalhos deles, os dois ao vivo no Pátria Pampa em 2006 e o no Rio-Grandenses em 2011. O Marcello Caminha gravou uma versão instrumental em seu disco Clássicos Gaúchos ao violão – Volume 3.

Lá na Fronteira é um baita poema de campo, que narra algumas cenas do cotidiano da campanha gaúcha. É uma música que eu gosto muito e tem uns termos bem regionais. Então agora bamo dar aquela lida na letra e depois bamo explicando os versos.

Lá donde o campo enfrena o dia, abrindo o peito
No velho jeito de tirar zebu da grota
Se ata espora pra um torão de fundamento
Passando um tento, embaixo do taco da bota

Enfrenar é colocar o freio no cavalo, mas neste verso tem o sentido de iniciar, começar. Tirar zebu da grota é um serviço sofrido, complicado, árduo. Uma referência de que a lida de campo não é fácil.

E um torão é com um R só. Tem o sentido de enfrentamento. Então se ata bem a espora pra uma lida de fundamento. Passando o tento, ou seja, a tira de couro por baixo da bota.

Lá donde o touro mais veiaco tem costeio
Um par de arreio é ferramenta de valor
A vaca xucra esconde a cria na macega
E cavalhada não nega, que por lá hay domador

Quando tem um touro velhaco que tá se escapando, se chama um parceiro pra paletear esse animal. Por isso que é o par de arreios que é uma ferramenta de valor.

Quando as vacas acabam parindo na invernada ou até campo a fora, elas tem o instinto de esconder a cria pra proteção. E o peão precisa ir conferir a saúde do bezerro recém nascido e aí a gente sabe que a mãe protege a cria de tudo quando é jeito, por isso o peão tem que ser dos bão e o cavalo também.

Essa lida do cavalo cinchando a vaca pra permitir que o gaucho faça os cuidados é algo sem igual. Diz muito a respeito do domador.

Lá donde as penas se transformam em melodias
Na campeira sinfonia de coscoja e nazarenas
Almas antigas rondam galpões nas estâncias
Pois são grandes as distâncias e as saudades tão pequenas

Lá onde as penas, ou seja, as dores, as mágoas, o sofrimento dessa gente se transforma em arte.
A campeira sinfonia do barulho do trim das esporas nazarenas, que são essas esporas grandes e pontiagudas. A origem das esporas nazarenas é européia e esse nome, acredita-se que seja uma referência aos espinhos da coroa de Jesus Cristo, o Nazareno.

Já a coscorra é uma peça que complementa o freio dos cavalos. É uma rodela, feita de metal que vai no meio do freio e que estimula o animal a salivar. E aí quando o cavalo vai tocando nela vai fazendo um barulho bem peculiar. Aí faz essa sinfonia entre o trim da espora e o batido da coscorra. Também pode ser chamado de coscós ou coscosa.

Lá donde ainda ecoa forte um venha, venha
Chamando a tropa, no reponte das auroras
A bagualada segue atrás da égua madrinha
Na velha estrada da linha, serpenteando tempo afora

Os campeiros chamam a tropa, cedito, no reponde da aurora ou seja no clarear do dia.
Uma égua madrinha orienta, conduz, uma tropa de cavalos baguais, ainda xucros pela estrada sinuosa. Por isso o termo serpentear.

Lá na fronteira, os tajãs por contingência
Contrabandeiam querência, ora pra um lado ora pra outro
Se ganha a vida a casco e braço nos varzedos
Se aprende cedo a ensiná a lida pra um potro

Tajãs são uma espécie de pássaros que tem muita incidência na região da fronteira e do pampa, principalmente nas áreas mais alagadas e de banhado.. Eles tem uma característica de ter tipo uma coleira preta no pescoço. E por contingência, acaso, eventualidade, eles contrabandeiam querência, ou seja cruzam de um país pro outro sem se preocupar com passaporte ou permissão.

E nas várzeas da fronteira a vida, a sobrevivência é conquistada na força do braço e a pata de cavalo.

Lá na fronteira, na amplidão das invernadas
Se termina a campereada, quando o sol apaga as brasas
Então se volta, a trotezito, assoviando
Pra matear junto da china num jardim defronte as casa

Amplidão as invernadas… naquele pampa grande, campo aberto que se perde a vista. Se trabalha de sol a sol. Se para o serviço só depois que o sol apaga suas brasas no horizonte. E aí nesse entardecer, o campeiro volta a trotezito no seu pingo, assoviando bem faceiro, pois sabe que em casa tem a prenda amada esperando com um mate pronto! Que gauchismo!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *