Na Baixada do Manduca é uma chamarra de autoria do grande Noel Guarany. Foi gravada pela primeira vez no ano de 1976 no LP Payador, Pampa e Guitarra e é a segunda música do Lado A daquele disco.

Esse disco tem uma coisa interessante que ele é uma parceria do Noel com o Jayme Caetano Braun. Foi gravado de maneira independente, parte na Argentina e parte em São Paulo e conta com a participação de grandes músicos argentinos como o Raul Barboza na gaita e o  Bartolemé Palermo na guitarra. A viabilidade financeira desse disco foi patrocinada pelo Centro Nativista Gaspar Silveira Martins, de Bagé.

Na Baixada do Manduca aparece em algumas outras coletâneas de músicas do Noel Guarany e também foi gravada por diversos artistas, dá só uma olhada na lista que aparece na busca do Spotify. Aí podemos citar: Luiz Marenco, Os Serranos, Joca Martins, Os Nativos, João Luiz Corrêia, Jorge Guedes, Os Monarcas, Garotos de Ouro, Walther Morais e mais um eito de gente. 

Essa música cita um monte de gente e lugar, que são reais. Só os acontecimentos que são floreados. Tenho dois agradecimentos especiais que me ajudaram a cavocar o conteúdo dessa história: O Cassio Gomes Lopes, pesquisador lá de Bagé e também o Ricardo Fontoura, parceiro da RádioQueroQuero.Net que me encaminou umas par de referência e inclusive até já tocou lá na Baixada do Manduca. Os links para o site do Cassio e pra RadioQueroQuero estão fixados no primeiro comentário.

Acredita-se que essa música tenha sido escrita na volta dos anos 70, numa feita que o Noel Guarany esteve participando da Semana Crioula de Bagé e visitando alguns amigos por lá, entre eles Gaspar Pereira Silveira, que tinha uma estância em Vichadero, no Uruguai e administrava outra fazenda em Aceguá, na região de Jaguarão Chico, que era de propriedade de sua sogra. Noel visitou ambas as estâncias e foi provavelmente numa dessas que ele teria composto a música.

Então agora vamos dar aquela analisada na letra e trazer os detalhes.

Lá na Baixada do Manduca
Hay reboliço de china
Três guitarras orientales
E uma gaita correntina
E o biriva rio grandense
Com toadas lisboinas

A Baixada do Manduca é uma referência à antiga “baixada” lá de Bagé, na época era mais afastado da cidade era uma região que tinha algumas pulperias, bolichos e até uns cabarés, na saída pra Vichadero. Hoje é a rua Salgado Filho no bairro São José.

Por isso que lá havia reboliço, agitação, confusão de chinaredo. 

Aí ele cita três guitarras orientales, três guitarreros da Republica Oriental del Uruguay. Um gaita correntina, da província de Corrientes, Argentina.  E ainda cita um descendente dos birivas que canta toadas lisboinas, com influência portuguesa.

E dê-lhe mate pelos cantos
No compasso da chamarra
Entra juca e sai manduca
E dê-lhe cordeona e guitarra

E é bueno esse refrão! Quando tocado nos encontros da gauchada é daqueles que todos do ambiente cantam a toda guela.

Então pelos cantos da sala o povo mateia, enquanto os músicos tocam umas chamarras, que é o mesmo ritmo que essa marca é tocada.

Entre Juca e sai Manduca é uma expressão dizendo que entra fulano e sai sicrano, entra um e sai outro e o baile segue adiante!

O chinaredo lá da estância
Se “aprepara” já faz dias
Segundo siá Basilícia
Vai trazer várias famílias
Prá escutar o Dom Ortaça
E o gaiteiro Malaquias
E o cantor da Bossoroca
Que canta com galhardia

O chinaredo é o do Rancho las Flores, que ficava em Vichadero no Uruguay.

A Siá Basilícia é uma senhora que vivia lá nessa época, é alguém que faz parte do folclore local.

Dom Ortaça é uma referência ao Pedro Ortaça, o gaiteiro é o Reduzino Malaquias e o cantor da Bossoroca que canta com galhardia é o próprio Noel Guarany. 

Jaguarão Chico e Vichadeiro
Se alvorotou a peonada
Do caseiro ao capataz
Todos de bota ensebada
E o careca Zaragosa
Nem liga prás gineteada

Como disse antes, Jaguarão Chico e Vichadero são duas localidades onde o Noel frequentava quando visitava a família de Gaspar Pereira Silveira. E todos estavam empolgados pro evento, do caseiro ao capataz com a bota ensebada, no capricho. Se a até a bota tá ensebada, o resto das pilcha então tão a capricho.

E até o Careca Zaragosa que era ginete, nem tava ligando pras gineteadas. O nome dele era Aclício Zaragoza Ramos, uruguaio de nascimento, conhecido no vasto mundo rural apenas como Creca Zaragoza. Foi um ginete e domador de muito respeito, infelizmente foi assassinado aos 71 anos de idade, em frente a sua casa. 

A prendinha Ana Luiza
Filha do nosso patrão
Já encargo água de cheiro
Vinda de outros rincão
E um delantal colorado
Partido de sua opinião

A prendinha Ana Luiza é Ana Luíza Pereira Martins, filha do então patrão Gaspar Pereira Silveira. 

Que encargou, encomendou perfume importado e também um delantal ou seja um lenço colorado, vermelho. O termo partido tem haver com posição política, do Partido Colorado, do Uruguay.

Mas que baita história é essa da Baixada do Manduca. Quando comecei a pesquisar não fazia ideia do quanto de coisa que ia encontrar! E se tu sabe de mais coisas a respeito da letra, comenta aí pra gente enaltecer ainda mais essa rica marca do Noel.

Comentários
  1. Excelente texto!! Muito obrigado. Cheguei aqui procurando o significado de “entra Juca e sai Manduca”. Com todo o respeito: o significado disso não iria um pouco além do que está no texto? Eu imaginava que o Juca e o Manduca seriam referências reais, algo como presidentes, deputados, governadores… Algo que desse a mesma ideia de “entra ano, passa ano”.

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